Contraste | Deutsche Welle
O programa “Contraste” aborda assuntos de política e direitos humanos, questões de desenvolvimento e meio ambiente.
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Recuperação dos manuscritos de Timbuktu pode preencher lacunas na história
Radicais islâmicos pretendiam destruir os manuscritos, mas alguns cidadãos voluntariamente ...
Radicais islâmicos pretendiam destruir os manuscritos, mas alguns cidadãos voluntariamente salvaram o material, transportando as relíqueas para Bamako. Estima-se que existam mais de 350 mil documentos antigos. Eva Brozowsky já está novamente a caminho de Bamako. A alemã de 34 anos é uma especialista em restauração de documentos. Há quase um ano ela está instalada no Mali, especificamente na capital do país, Bamako. Beozowsky pertence a uma equipe de cientistas alemães que trabalha na restauração de manuscritos escritos há séculos - das grandes bibliotecas de Timbuktu, no norte do Mali. Os restauradores trabalham no resgate de uma vasta documentação. Trata-se da mais importante coleção de registros escritos na África Ocidental e foi escolhida para Patrimônio Mundial pela Unesco em 1988. Na idade média, a cidade de Timbuktu, a mil quilômetros ao norte de Bamako, era o centro espiritual do islão. É um conteúdo de até 1200 anos de idade, dedicado à alquimia, astrologia ou medicina, a interpretar o corão ou explicar a história. Tesouro cultural Para Eva Brozowsky, o material é uma espécie de tesouro cultural de valor inestimável, que pode ser comparado ao inventário de todas as bibliotecas na Alemanha. A previsão é de acomodar os escritos de Timbuktu de uma forma técnica e profissional em um edifício construído com o propósito de servir de arquivo em Bamako – na intenção de ser não somente catalogado, mas também digitalizado. Assim, todo o material poderá ficar disponível para pesquisadores locais e internacionais. Brozowsky diz que serão examinados de 280 mil a 1,5 milhão de manuscritos. “Nem todos precisam ser restaurados. Existem alguns que ainda estão em bom estado de conservação. No entanto, quase a metade está tão deteriorada e frágil que precisa ser recuperada e não pode ser digitalizada.” Em sua fuga dos soldados malineses e franceses, os rebeldes islâmicos incendiaram em 28 de janeiro de 2013 o Instituto Ahmed Baba. O edifício, de traços modernos, havia sido inaugurado somente quatro anos antes, numa obra que custou vários milhões de euros. Os milhares de manuscritos guardados na biblioteca do instituto eram tidos como especialmente valiosos, por fazerem parte do Patrimônio Cultural da Unesco. A Biblioteca Ahmed Baba é apenas uma das cerca de 80 bibliotecas particulares de Timbuktu. Devido ao clima seco do deserto, muitos dos manuscritos ficaram frágeis. Muitas folhas acabaram sendo danificadas por cupins e outros insetos. O ácido contido na tinta usada para escrever os manuscritos também contribuiu para causar algum dano ao material. Deterioração O que já foi corroído ou comido pelos cupins não pode mais ser restaurado. Especialistas apelam à comunidade internacional a trabalhar para garantir recursos suficientes para salvar os manuscritos disponíveis. Foram resgatados mais de 200 mil documentos. “Agora a situação é de bastante pressa para resgatar os manuscritos. Nada é tão vulnerável como um tesouro esquecido”, afirma a restauradora. A princípio, não era conhecida a amplitude da destruição durante a fuga dos radicais. Mesmo cientistas do Tomboctou Manuscript Project, da Universidade da Cidade do Cabo, encarregada do arquivamento dos documentos, não conseguiram precisar quanto foi destruído dos tesouros. Dos 30 mil manuscritos que estavam guardados na Biblioteca Ahmed Baba, nem mesmo um terço estava catalogado, segundo informações divulgadas após o incêndio, classificado por muitos meios de comunicação como um "crime cultural". O projeto de restauração é apoiado pelo Ministério do Exterior da Alemanha, por doadores internacionais e pela fundação alemã Gerda Henkel. Até agora, a fundação de Düsseldorf forneceu 500 mil euros para salvar os antigos escritos, que contam com centenas de estudos islâmicos como material principal. Recipientes especiais Os milhares de manuscritos guardados na biblioteca do instituto eram tidos como especialmente valiosos. A Biblioteca Ahmed Baba é apenas uma das cerca de 80 bibliotecas particulares de Timbuktu. Michael Hanssler é o presidente da fundação Gerda Henkel ele diz que a fundação tem um programa especial sobre o Islão. “A linha de apoio já financiou vários projetos na África nos últimos quatro anos. Causa especial expectativa para nós, como fundação, é que somente pequenas partes do material foi avaliado. A grande parte está totalmente inexplorada”, explica Atualmente, a maioria dos manuscritos ainda é armazenada em caixas de metal. Assim, eles também estão expostos ao risco de manchas de ferrugem, além de tantas outras influências nocivas. Os restauradores querem transportar todo o material para caixas especiais o mais rápido possível. As caixas para o armazenamento adequado foram projetadas pela restauradora Eva Brozowsky. Ela diz que o recipiente é feito de um material que permite a troca de ar. Um material que protege os manuscritos em mudanças de temperatura. “As caixas serviriam como envelopes para o material, de modo que à primeira vista sabe-se que elas realmente contêm uma relíquia, não um livro europeu. O material é ideal para proteger os manuscritos da mudança de clima, da poeira e dos insetos. Deve ficar claro que você tem um manuscrito de Timbuktu ali. Tudo é amarrado com uma fita, assim como os manuscritos anteriormente foram colocados juntos também com uma fita.”, diz Brozowsky Uma nova história Como Brozowsky - que também trabalhou com os manuscritos da chamada Rota da Seda, na China – o pesquisador Dmitry Bondarev também é bastante experiente. Ele integra o Centro de Pesquisa Colaborativa “Manuscritos Culturais da Ásia, África e Europa”, da Universidade Hamburgo, fica ainda na África Ocidental. Ele é o diretor do projeto para resgatar os manuscritos do Timbuktu e não esconde a fascinação pelos documentos. Para o pesquisador, os manuscritos são um verdadeiro tesouro, quando se trata de procurar entender melhor o passado. “O material vai abrir várias janelas ainda fechadas. Em comparação com o que até agora nós sabemos nas publicações especializadas, há um potencial enorme de compreendermos melhor a história da África”, diz Bondarev. Pesquisadores sobre a Idade Média de todas as partes da África e de outras regiões têm se encontrado em Timbuktu. A cidade estava na rota do comércio através do Saara e foi ponto de encontro de viajantes. Todo o material tem sido recolhido de vários setores e locais mais ou menos preservados, conforme explica Dmitry Bondarev. “Os especialistas concordam que a leitura e publicação desses escritos poderiam até mesmo levar a história africana a ser reescrita em algumas partes”, diz Bondarev. Bondarev enfatiza que a história recente do islão e as ações de grupos islâmicos no norte do Mali poderiam ser interpretados melhor com a ajuda dos manuscritos. Quase que o acervo acabou sendo danificado completamente por radicais islâmicos. Depois de um golpe militar em 2012, os radicais tomaram o controle de todo o norte do país – incluindo as cidades de Timbuktu e Gao. O resgate Os grupos chegaram a destruir o material. Mais tarde, entenderam o valor que o acervo tem para todo o mundo ocidental e queriam pregar a sua destruição. Graças a Abdel Kader Haidara e vários voluntários, os manuscritos foram transferidos para Bamako e já podem ser restaurados. Haidara e outras pesoas assumiram o compromisso de cuidar da conservação dos manuscritos. Eles arriscaram suas vidas para isso. Ele é diretor da Livraria do Memorial de Mamma-Haidara – uma das maiores bibliotecas em Timbuktu. Ele também é presidente de uma associação que visa preservar a herança manuscrita da cidade. Ele coordenou uma ação perigosa para resgatar as relíquias. “Nós formamos vários comitês: um em Bamako, um em Timbuktu e outro num ponto intermediário da rota. Alguns se encarregaram de fazer com que o material fosse acomodado e permanecesse inteiro dentro do carro. Outros o acompanharam a Bamako, e lá os manuscritos foram retirados do terceiro comitê de recepção e colocados em casas onde eles ficariam seguros. Claro que foi tudo um processo difícil e lento”, explica. O transporte em completo segredo de todo o material durou seis meses. Abdel Kader Haidara está feliz por ter conseguido resgatar tão valiosos documentos que estavam prestes a desaparecer. “Alguns manuscritos estão realmente muito velhos. Alguns estão já frágeis e outros já rompidos. Estamos no limite do tempo para que eles sejam restaurados. A digitalização vai nos dar a possibilidade de fazermos cópias, facilitar o acesso às escrituras e poder avaliá-los”, salienta Haidara. Mas ainda há muito a fazer. A restauradora Eva Brozowsky treina funcionários do projeto. Alguns aprendem técnicas para conservar o papel de base dos manuscritos. Outros assumem a limpeza e montam as caixas de proteção. Brozowsky está estabelecido em uma oficina. O projeto avança, mas de forma gradual, como explica a restauradora. “Se alguém fizesse isto, teríamos mais de um século de trabalho. Quanto mais pessoas possam colaborar, maior é a necessidade financeira e mais rápido se chega o resultado. Mas, muito provavelmente, você tem que contar com uma ou mais décadas”, afirma Brozowsky. Resta esperar que os financiadores do projeto não percam o fôlego em pouco tempo.
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"As manifestações em Angola têm um efeito mais corrosivo sobre o regime do que no Egito", analisa Rafael Marques
O jornalista angolano Rafael Marques fala sobre os efeitos da ...
O jornalista angolano Rafael Marques fala sobre os efeitos da "primavera árabe" em Angola. "Tem hoje uma geração de indivíduos que estão dispostos a servir de saco de pancadaria para fazerem valer um ideal", diz ele. No início de 2011, uma onda de manifestações abalou os governos no norte de África. Na Tunísia caiu a ditadura, no Egito houve eleições livres e em Marrocos a monarquia passou a ser mais democrática. Revoluções e reformas que inspiraram também outros países africanos como Angola, onde no dia 7 de março de 2011 nasceu um movimento de manifestações contra o regime do Presidente José Eduardo dos Santos e o partido no Governo, o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola. Até que ponto a "primavera árabe" teve efeitos na África Subsaariana? Este foi um dos temas debatidos no Global Media Forum de 2014, durante esta semana na cidade de Bona, Alemanha. Entre os presentes no fórum esteve o jornalista angolano Rafael Marques. DW África: Por que é que as pessoas aderiram logo a este movimento dos países árabes? Rafael Marques (RM): Existem laços históricos entre Angola e o norte de África muito fortes, porque as principais bases do MPLA e dos movimentos de libertação angolanos estavam na Argélia, no Egito e em Marrocos, que prestaram um grande apoio. Então há uma tradição de envolvimento do norte de África na política angolana. Desta vez, em 2011, tratou-se da juventude a inspirar-se em métodos pacíficos de fazer a revolução e de tentar mudar o curso da história nos seus países de forma pacífica. DW África: Como é possível que esta geração mudou tanto de ideias e que vai pela primeira vez na história de Angola à rua para protestar contra o regime do Presidente José Eduardo dos Santos? RM: Primeiro, é uma geração que tem uma fraca memória do que foi a guerra. É uma geração que tem maiores exigências em termos de educação, em termos de emprego e em termos de melhoria das condições de vida, não só ao nível pessoal como ao nível da própria sociedade. Sentem que chegou a sua altura de fazerem algo pelo país. E essa altura começa precisamente por lutarem pela mudança das práticas do atual regime, que estão encapsuladas na figura do Presidente da República que detém o poder absoluto em Angola. Para dar um exemplo: a última manifestação, ou tentativa de manifestação, teve lugar a 27 de maio [de 2014] e foi brutalmente reprimida pela Polícia de Intervenção Rápida. Mais de 20 jovens foram torturados e abandonados fora da cidade de Luanda. Há aqui um aspeto importante: o nível de coragem e bravura destes jovens é o que conta fundamentalmente. Não é a capacidade de organização ou de mobilização, mas é o facto de nós termos hoje uma geração de indivíduos disposta a servir de saco de pancadaria para fazerem valer um ideal. O ideal de que como cidadãos angolanos conscientes tem o direito e o dever de reclamar pelos seus direitos constitucionais. Porque a Constituição angolana garante o direito à manifestação. Este é um direito que o Governo recusa-se determinantemente a proteger e a garantir que seja exercido pela população. DW África: Até que ponto as manifestações – primeiro na Tunísia e depois no Egito – foram determinantes para começar esta onda de protestos em Angola que até agora ainda não terminou? RM: Foram a inspiração! Devo dizer que conheço o jovem que publicou o primeiro anúncio de manifestação logo a seguir a revolução egípcia. Ele fê-lo a brincar a partir do exterior. Mas o pânico que causou no seio das forças governamentais levou a que os governantes emitissem múltiplos comunicados e que fizessem uma contra-manifestação envolvendo mais de 100.000 pessoas para lutar contra uma ideia, que na verdade era uma brincadeira. Para mim, isso mostrou mais como a juventude pode ser extremamente criativa. Mostrou também a fragilidade de um regime que tremeu diante de um anúncio de uma manifestação que foi feita simplesmente como brincadeira. Este jovem estava a estudar comunicação e teorias de comunicação. Ele pensou de forma subversiva: “Vou fazer isto como um trabalho de campo.” DW África: Depois houve manifestações em Angola e muita repressão por parte das autoridades. Mas uma coisa que diferencia Angola em relação a países como o Egito e a Tunísia foi a falta da adesão de massas. Em Luanda, nunca houve manifestações de milhões como aconteceu por exemplo no Cairo. Porque não aconteceu este segundo passo depois das primeiras manifestações em Angola? RM: Vou explicar. Quando se iniciaram os protestos na Tunísia, eu estava no Senegal. E comigo esteve uma jovem escritora tunisina, que dizia sempre: “Nós estamos a fazer a revolução e eu sou o contato com o Ocidente.” Era um grupo de escritores que estava ali em estado sabático e todos nós gozávamos com ela. Quando cheguei a Luanda, liguei a CNN e vi que havia uma revolução na Tunísia. Ela estava muito comprometida com a ideia da organização daquela revolução. O que falta em Angola? Em Angola, falta organização, a coragem e a bravura. Faltam elementos catalisadores que possam juntar setores da sociedade que durante muitos anos foram fragmentados. Outro aspeto importante é que a população do Egito uniu-se contra um regime. Em Angola, durante esses anos todos de guerra, a política principal de governação foi a de dividir a sociedade, de fragmentá-la completamente e hoje a sociedade está muito fragmentada. Começa a haver com estes pequenos gestos uma maior congregação de esforços. Vou dar um exemplo: nesta última manifestação houve uma disputa entre os jovens – e estou a revelar isto aqui em primeira mão. O grupo que inicialmente convocou a manifestação não apareceu, porque havia conflitos. Todos queriam fazer a manifestação, mas não queriam fazer juntos. Quando uns foram espancados, os outros vieram em seu socorro e prestaram solidariedade como se fossem todos do mesmo grupo e estivessem unidos. Então, a brutalidade governamental uniu-os. É uma consciência, que está a despertar agora, para ultrapassar os anos de guerra e a fragmentação política que foi ocorrendo na sociedade angolana sobretudo pelo poder da corrupção. DW África: O poder da corrupção talvez seja na realidade angolana um poder de petróleo. Há muito mais dinheiro em Angola que está teoricamente disponível para ser distribuído à população, ou pelo menos a setores chaves da população, do que por exemplo no Egito. Muitos analistas dizem que um dos fatores principais para a grande adesão aos protestos no Egito e na Tunísia foi a frustração económica dos jovens. Eles viveram durante muitos anos que desemprego e a falta de perspetivas. Será que em Angola falta este lado económico para desencadear uma onda maior de protestos? RM: Tocou numa questão fundamental. Sempre que ocorra este tipo de protestos, para além da repressão as entidades governamentais oferecem outro tipo de possibilidade. Oferecem que estes jovens tenham acesso a bolsas de estudos, apartamentos, empregos ou dinheiro. Houve o caso de um jovem, Mário Domingos: um ex-governador (na altura era governador) foi com ele ao banco, levantou 700.000 dólares americanos e entregou o dinheiro aos jovens. Também entregou várias viaturas e caminhões com bens. E este jovem fez algo extraordinário: pegou numa das carrinhas que recebeu do Governo e pôs a carrinha a distribuir panfletos. Mas o que se percebeu aqui, a ideia era comprometê-lo com a corrupção, porque, no dia seguinte, os agentes da segurança apareceram na sua casa para recuperar o dinheiro. Então, o que está a acontecer agora é o reordenamento da sociedade no sentido de ultrapassar os efeitos perversos da corrupção. DW África: Portanto, o seu prognóstico para os próximos anos é de uma intensificação dos protestos? RM: Sim.Veja, por exemplo, a revolução no Egito: foi tão bem sucedida em termos de mobilização. Mas depois faltou a captura do poder por esses mesmos jovens, que basicamente preferiram entregá-lo aos militares. E hoje os níveis de repressão são maiores. No caso de Angola há um processo de desgaste do próprio regime, que é muito mais lento. Mas é muito mais corrosivo e irreversível. DW África: Portanto, quantos anos de vida ou de prazo ainda dá a este Governo? RM: Eu não dou prazo. Primeiro, porque sou apenas um analista. Segundo, porque depende sempre de vários fatores. Se amanhã o regime decide mudar de ideias e trabalhar no sentido de servir os cidadãos, certamente terá muito mais anos de vida. Não acredito que venham a fazer isto. De qualquer modo, o Presidente está a envelhecer. É um regime que está a chegar ao fim pelo desgaste do próprio tempo. É um regime que não investiu na formação de novos quadros com uma política destinada a governar o país. A nova geração do MPLA é uma geração de rapina. É uma geração que está interessada no dinheiro do petróleo para enriquecimento pessoal e para o desfruto dos privilégios que esse dinheiro oferece no ocidente. Em Angola, essas manifestações serão sempre mais lentas e não crescerão tão rapidamente. Mas o efeito corrosivo que as manifestações têm sobre o regime é muito maior do que o que aconteceu no Egito, onde se mudou o Mubarak e não se olhou para toda a infraestrutura de repressão que Mubarak tinha ali ao nível do exército e do aparelho de segurança, que hoje continuam a dar as cartas.
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A geração "Born Free" da África do Sul quer mais igualdade social
As últimas eleições na África do Sul trouxeram à tona ...
As últimas eleições na África do Sul trouxeram à tona uma discussão de comportamento entre as diferentes gerações do país. Jovens que nasceram no pós-Apartheid comentam a atual tendência política do país. Foi a primeira vez que a chamada Geração Livre (ou Born Free) teve a oportunidade de escolher o presidente, mas apenas um terço se cadastrou para o pleito. Enquanto muitos que sabem o que foi passar pela repressão do Apartheid correram às urnas, outros mais jovens preferiram ficar em casa ou curtir o feriado com os amigos. Os chamados “Born Free” nasceram após a saída de Nelson Mandela da prisão, em 1990. Teoricamente, tratam-se de cidadãos com os mesmos direitos e chances, mas, na prática, vivem vidas completamente diferentes. Tiffany Siam nasceu em 1993 pode buscar e escolher o que bem quer, mas a sociedade sul-africana ainda precisa percorrer um longo caminho para alcançar a igualdade. “Nós temos ainda muito para fazer - economicamente e no convívio entre as pessoas. As pessoas ainda são reprimidas por sua cor de pele, língua ou origem. É claro que não é como antes – como uma doutrina de Estado. Mas a forma que você encara isto depende da forma que a pessoa foi criada”, diz Siam. Tiffany conversou com a DW África no Campus da Universidade Witwatersrand em Johanesburgo. Ela estuda Geologia e Gestão Ambiental. Trata-se de uma jovem negra que gosta de brincos dourados grandes e tem uma longa trança. O preconceito social Muitos estudantes passam por ela usando calças e camisetas. Outros tantos usam burka e quipá - a cobertura judaica para a cabeça. Quase um milhão de estudantes sul-africanos convive com esta mistura cultural diária. Para Tiffany, este é o exemplo de que o velho ódio racial desapareceu, mas a diferenças são ainda bastante presentes. “Quando, por exemplo, se vê uma moça negra com um rapaz branco, pensa-se logo: “ela conseguiu!”. Mas por que? Nós frequentamos a mesma escola, falamos o mesmo idioma. Porque algumas pessoas se sentem melhores quando tem alguma coisa a ver com os brancos? Nós precisamos fugir disso e a universidade me ajudou muito. Aqui todos são integrados e cada qual tem orgulho de suas origens”, explica. Tiffany vem de um dos principais subúrbios brancos de Johanesburgo. Sua mãe começou a trabalhar como ajudante doméstica e se tornou gerente de um negócio e um exemplo para a filha. Os quatro irmãos mais velhos ajudaram a financiar os seus estudos. Na universidade tem a amiga Amanda Mudau. Ela estuda Geografia e Arqueologia. Tudo isto só é possível graças a bolsas de estudos. Seus pais são formados, mas não tem uma vida confortável. Hoje, é o dinheiro que divide os jovens na África do Sul. “Existem raparigas ricas que estão acostumadas com isto. Eu não ligo para o meu pai para dizer: “Papá, eu preciso de um novo telemóvel.” Eu tenho de ter um motivo extraordinário para pedir para o meu pai alguma coisa. Não basta somente uma outra pessoa ter algo que não tenho. Por isso, eu acho muito louco o fato de elas terem uma vida tão diferente da minha. É bem estranho. ” A parcela abastada Quando começaram o curso, Alex Nash e Megam Thomas também notaram isto, mas por uma outra perspectiva. Ambos conversaram com a reportagem em um centro comercial na zona rica de Sandton. Hoje, são visitantes na cidade onde nasceram. Alex estuda Medicina na Escócia enquanto Megam estuda Comunicação na Cidade do Cabo. Enquanto pedem um café gelado, falam sobre as escolas privadas, grandes jardins e férias na Europa. Na verdade, cresceram neste ambiente com os seus pais brancos, mas sem a opressão do Apartheid que rejeitavam. Alex lembra que estudantes de diferentes raças se relacionavam normalmente na escola. No entanto, as diferenças eram muitas. Alguns colegas moravam em Soweto e tinham bolsa de estudo. Ela diz que os colegas negros chegavam sempre de autocarro à escola enquanto os brancos estavam acostumados a ser levados de carro. “No início, eles não tinham telefones móveis. Isto deve ter sido bastante difícil para eles. Ver-se, de uma hora para outra, num ambiente onde todos em volta têm dinheiro. A maioria dos meus amigos era bastante privilegiada, mas dever-se-ia tomar cuidado para falar sobre isso para não criar situações desconfortáveis”, recorda. Alex e Megan conseguem hoje lidar com o que aconteceu. Alistaram-se no exército, são bem informados politicamente e debatem com seus amigos como a situação na África do Sul poderia melhorar para todos. No entanto, o grupo onde são discutidos tais temas não é tão mesclado assim. Megan acha que a integração está a ser bem-sucedida, mas se mantém dentro das classes sociais. “Todos os meus amigos negros ou outros do mesmo círculo de amizades fazem as mesmas coisas ou passam as férias nos mesmos lugares. Eu não acho que percebemos esta situação dessa forma. Por exemplo, nossos pais não dizem: “você tem amigos negros” - como se isso fosse diferente”, explica. A “democracia jovem” O segmento social no qual Jeffrey Mulaudzi está inserido é basicamente constituído de pessoas pobres e negras. Ele vive em Alexandra, o bairro mais antigo de Joanesburgo. Fica a alguns quilômetros de região rica de Sandton. Cem mil moradores fazem a região ter elevada densidade populacional. As ruas são pavimentadas, mas, fora isto, nada mudou muito nas últimas décadas. Atrás de cada casa existem cabanas e barracas feitas de placas de metal. O cheiro de lixo se mistura com o de carne assada. Peças de plástico estão em poças de água. No meio disto tudo está Jeffrey, um homem alto, magro e sorridente. “Eu tenho bastante sorte se compararmos com muitos outros com a minha idade por aqui. É difícil estudar aqui no bairro porque geralmente o quarto é dividido com outros familiares. Houve uma época que tínhamos televisão em casa e minha irmã mais nova queria ver seus programas favoritos enquanto eu tinha de estudar. Este é o grande problema por aqui: você não pode se desenvolver como você gostaria porque quase não há espaço para você mesmo”, afirma Jeffrey. Jeffrey teve que lutar e conquistar o seu espaço. Ele oferece um "tour" de bicicleta por Alexandra para turistas. Já faz isto há quatro anos e tem três colaboradores. Além disso, está em um programa de orientação para jovens empreendedores. Por isso usa terno de vez enquanto. No entanto, Jeffrey ainda não tem muito dinheiro. Às vezes, ter alguns trocados no final do mês para uma dose de Red Bull é um luxo. Mas ele tem uma atitude clara e positiva: inveja não leva a nada. Ele vê o fato de ter nascido em “liberdade” como uma responsabilidade. “O fato é que você tem que trilhar o seu caminho. Você não precisa ter a mesma cor, mas você pode ter boa situação econômica também. Minha mãe nunca tinha sequer um centavo e eu tinha que ir a pé para a escola. Agora, às vezes, eu posso até comprar uns sapatos para os estudantes. Eu já pedi dinheiro, mas agora eu posso até comprar comida para outra pessoa”, explica. Em Alexandra, vivem somente sete famílias brancas. O círculo de amigos de Jeffrey não é, portanto, tão misturado. Mas ele está convencido de que isto vai mudar. “Nós somos ainda muito novos na nossa democracia - apenas 20 anos, é muito recente. Eu vou pra qualquer lugar que eu queira, mas eu vou ser tratado de forma diferente de acordo com a cor da minha pele. Mas não faz mal. Ficar com raiva não ajuda. Só piora as coisas”, opina. Pensamento positivo Não é somente Jeffrey que tem esta forma positiva de pensar. A maior parte da geração “Born Free” age desta forma. As dificuldades são compartilhadas - quase dois terços da sua geração não têm emprego ou uma boa formação. Isso preocupa Tiffany e Amanda na universidade. No entanto, elas confiam que o trabalho duro vai levá-las a atingir os seus objetivos. Acham que a África do Sul precisa de mais tempo para deixar o Apartheid definitivamente para trás. A maioria dos meus amigos dizem para esquecer o Apartheid e que é preciso olhar para frente. Mas as pessoas em casa e pelo país dizem. “Nós não podemos esquecer. Se você agora pode dizer que você nasceu em liberdade significa que nós lutamos por isto!”. É claro que eu não passo muito tempo pensando sobre isto. Pensar em vingança é algo humano, mas eu não tenho isto. Eu olho o todo e celebro onde nós estamos agora. Mas nós ainda não atingimos o objetivo final. A democracia trouxe oportunidades sem precedentes para toda uma geração. Todos concordam com isto, não importando a cor da pele ou a condição econômica. Orientam-se em Nelson Mandela e a sua visão de uma sociedade mais aberta e justa. Não é apenas Tiffany que pensa em se engajar politicamente. Mesmo quando, no momento, não exista um partido que aponte para um futuro certo para todos. “Temos de parar de culpar o governo por tudo. Somos responsáveis por isto. Se as pessoas que lutaram pela nossa liberdade, simplesmente tivessem se sentado e se queixado da opressão na qual viviam, não estaríamos livres. Então, nós, os jovens de hoje, precisamos fazer algo por nós e nossa liberdade”, explica Tiffany. Ser livre significa algo um pouco diferente para todos os chamados “nascidos livres”: é poder ir a universidade, abrir um negócio, construir uma casa para a família onde quiser ou apenas viajar bastante. Mas deixar a África do Sul neste momento, simplesmente porque agora poderiam fazê-lo não é uma opção válida para os que pertencem a esta geração, mesmo não havendo muitas chances para maioria no país. Como tantos outros, Megan quer ficar no país. Todos preferem ficar. Apesar de todos os problemas que falamos, não há outro lugar que eu gostaria de estar neste momento. É tão interessante nós estarmos conscientes dos nossos problemas e termos tanta vontade de superá-los. Deve haver algum potencial que todos nós enxergamos [por aqui].”
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Economia domina visita de chefe da diplomacia moçambicana à Alemanha
Oldemiro Balói visitou a Alemanha para estreitar os laços de ...
Oldemiro Balói visitou a Alemanha para estreitar os laços de cooperação na área económica. Quanto ao OGE, o chefe da diplomacia moçambicana garante que a gestão da ajuda externa tem sido aplaudida pelos doadores. O impulso económico e comercial é visto como um marco positivo do Governo de Armando Guebuza. Até ao fim do seu mandato como Presidente de Moçambique, que termina em menos de 4 meses, a aposta continua a ser a mesma, principalmente com a descoberta de grandes reservas de gás e carvão mineral. O ministro dos Negócios Estrangeiros do país visitou a Alemanha neste contexto, mas outros pontos não menos importantes também marcaram a agenda, como o apoio ao Orçamento Geral de Estado moçambicano. Em Berlim, Oldemiro Balói falou em exclusivo a DW África sobre a tensão político-militar, a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, entre outros assuntos. DW África: No que diz respeito ao apoio ao Orçamento de Estado, a imprensa moçambicana anunciou, recentemente, que a Alemanha não irá apoiar o Orçamento de Estado em 2015. Este é um dos temas que traz para esta viagem? OB: Sim, o que me traz a esta viagem é um quadro global, aplaudindo e agradecendo o que de bom tem acontecido e procurando resolver assuntos cuja evolução não tenha sido muito feliz. Em relação ao apoio ao Orçamento, a Alemanha não terá apoiado este ano mas deverá apoiar em 2015. Eu passei essa mensagem em todos os encontros de natureza política que tive e não tive qualquer reação negativa. Aliás, pelo contrário. Devo dizer que fiquei algo surpreendido com a abertura, o apoio, a simpatia com que Moçambique é visto aqui, que nem sempre é o que transpira em Moçambique. Portanto, a surpresa está na intensidade desta relação. Alguns [parceiros] evidenciam mais um ou outro aspeto negativo numa avaliação global que é francamente positiva. DW África: À semelhança da Alemanha, também o Reino Unido anunciou que não está satisfeito com a prestação moçambicana em termos de gestão das ajudas. O que é que responderia à comunidade internacional quando se fala e fica comprovada alguma má gestão além de casos de corrupção que são imputados aos mais altos escalões da gestão em Moçambique? OB: Eu penso que há uma generalização precipitada. A gestão da ajuda por parte de Moçambique tem sido aplaudida internacionalmente. Surgiram recentemente dois casos que não terão agradado à comunidade internacional, e vai daí que tem havido críticas em relação à atuação do Governo. O diálogo para a busca de esclarecimentos para esses factos continua. Mas as pessoas já tiraram conclusões, já fizeram posicionamentos. Agora, manda a verdade dizer, nem sempre estes recuos e a suspensão da ajuda, nalguns casos, tem a ver com a penalização a Moçambique. Também tem a ver com dificuldades internas. Mas é mais cómodo imputar responsabilidades a Moçambique. Recentemente realizou-se a reunião de Moçambique com os países de apoio programático, que inclui o apoio ao orçamento de Estado. E os parceiros, de um modo geral, manifestaram satisação pela performance de Moçambique e prometeram financiar o país com 500 milhões de dólares – melhor evidência que esta não pode haver. DW África: Para além das justificações de má gestão ou corrupção, o facto de Moçambique ter as riquezas naturais que têm pode impulsionar a diminuição da ajuda externa? OB: Não necessariamente, poderá é alterar a sua estrutura. Por isso é que nós ao mesmo tempo em que apostamos no eventual aumento da cooperação, estamos mais empenhados ainda na promoção do investimento, ou seja, o setor privado em termos de crescimento e desenvolvimento a longo prazo tem um papel crucial a jogar. Portanto, não vejo que por esse meio haja diminuição da ajuda, porque as necessidades são grandes. O impacto das receitas provenientes dos recursos minerais não será imediato. A exploração começa em 2018, é verdade que temos algumas receitas extraordinárias, resultantes de transações, e cendências de posição entre os diferentes acionistas, mas receitas numa base regular e sistemática terão início apenas em 2018, não começam no pico dessas receitas. Há que ver como essas receitas tem impacto no orçamento a curto, médio e longo prazo, e comparar esse crescimento de receitas com grau de satisfação não só do orçamento, mas também para a melhoria de vida das populações. DW África: Este é um ano de eleições. A diáspora está contemplada desta vez? OB: Como sempre. O que não temos conseguido, isso por falta de consenso, é abranger toda a diáspora, mas Portugal, Alemanha e África do Sul são incontornáveis. DW África: E como isso será feito? OB: O rencenseamento já ocorreu e com bons resultados, quer aqui na Alemanha, que nos outros países que mencionei e tivemos até situações de moçambicanos residentes noutros países que manifestaram o desejo de virem cá recensear-se para votar, portanto, o entusiamo é grande. A capacidade de resposta da nossa parte, pela razão que já me referi, a falta de consenso entre os atores políticos, é que não tem permitido responder a essa ansiedade dos moçambicanos em votar. Mas teremos mais gente a votar neste ano do que tivemos nas eleições anteriores. DW África: O caso dos madgermanes ainda não está fechado, pelo menos para eles. Como o Governo moçambicano pensa em encontrar uma solução para este caso que já se arrasta há vários anos? OB: Disse bem, para eles não está fechado, mas para o Governo está fechado e não teceria mais considerações sobre isso. É sempre um assunto polémico, controverso, um assunto delicado e nós temos um ministério que tem vindo a lidar com esse assunto e a informação que tenho, por via do Governo, é que para o Governo esse é um assunto encerrado. DW África: Moçambique vai deixar a presidência rotativa da CPLP para entregá-la a Timor-Leste. A próxima cimeira vai analisar o dossier polémico que foi preparado pela presidência de Moçambique que é a entrada da Guiné Equatorial para o grupo. Como lusófono e político acha que a entrada da Guiné Equatorial para a CPLP é salutar? OB: Primeiro, o processo de adesão da Guiné Equatorial não começa com a Presidência de Moçambique, já tinha começado. Moçambique procurou dar um impulso que se impunha. Se é salutar essa adesão eu diria categoricamente que sim, que é salutar. Para se qualificar, ou para aderir, a Guiné Equatorial teve de acelerar uma série de processos internos no sentido da democratização, o aprofundamento da utilização da língua portuguesa. Por exemplo, no que diz respeito à democratização e aos direitos humanos, principalmente, o último passo que deu foi em relação a moratória da pena de morte. Portanto, se antes de entrar deu esses passos todos e outros que aqui não mencionei, uma vez dentro da CPLP terá a pressão dos seus pares. Somos uma organização que se guia por valores democráticos, todos eles, sem exceção, certamente que a Guiné Equatorial não teria a desão a CPLP como um fim em si. Quer entrar para ser um fator de desenvolvimento em si, quer fazer parte da organização e para isso tem de continuar a fazer o alinhamento que iniciou para efeitos de adesão. DW África: E também a presidência de Moçambique termina quando o caso da Guiné-Bissau, ao que tudo indica, está a andar dentro dos carris. Como Moçambique vê isso? OB: Com muita satisfação, ainda é cedo para cantarmos vitória, mas não há dúvidas de que se está no bom caminho. As eleições não eram um fim em si, mas correram muito bem. E aproveito mais uma vez para aqui para reforçar as minhas felicitações aos guineenses pela postura, pela atitude que tiveram e pelos resultados. Agora, espero que após a formação do Governo e a tomada de posse dos diferentes órgãos, o estabelecimento de instituições democráticas a Guiné-Bissau entre em difinitivo na senda da recuperação da economia, da melhoria das condições de vida dos guineenses e volte a jogar o seu papel no concerto das nações nas diferentes organizações a que pertence, a CPLP, a CEDEAO, a União Africana, a ONU, etc. DW África: Moçambique vive um momento de grave tensão político-militar e a solução tarda em chegar. Enquanto isso há vítimas mortais e danos materiais. Acha que os moçambicanos tem capacidade para resolver o assunto sozinhos, ou precisam de mediadores internacionais, como por exemplo tem defendido a RENAMO? OB: A situação poderia ser resolvida pelo moçambicanos sem precisar de qualquer tipo de mediação desde que o entendimento em relação aos valores democráticos fosse o mesmo. Em democracia as coisas resolvem-se de forma pacífica, através do diálogo e das instituições. Quando uma das partes perdendo uma votação no Parlamento, e o Parlamento é constituído por deputados eleitos em votação aberta livre e democrática, quando uma das partes perdendo a votação perante dois partidos recorre as armas para fazer valer as suas razões, os seus argumentos políticos, então alguma coisa está errada com a noção de democracia. Apesar disso como moçambicanos cremos que é o diálogo que vai resolver o problema, mas tem de ser um diálogo honesto, no sentido de que só há diálogo quando há cedências de parte a parte, onde há aproximação de ambas as partes em relação a uma terceira posição. Nenhuma das partes pode ou deve pretender impor a sua posição. O diálogo deve resultar numa terceira via. Não é isso que tem estado a acontecer. Temos vindo a beneficiar dos observadores nacionais, há um impasse agora nos termos de referência para os observadores internacinais, mas penso que nalgum momento o bom senso há de prevalecer e as eleições terão lugar a 15 de outubro como está previsto, porque, de facto, perante este estado de coisas nada melhor do que dar a palavra ao eleitorado, ele é que vai decidir quem tem razão, quem deixa de ter e que futuro Moçambique deve ter no imediato. DW África: Em que ponto acha que a RENAMO deveria ser menos "severo"? OB: Não gostaria de entrar nesses detalhes porque está a decorrer um diálogo entre o Governo e a RENAMO. Há uma equipa do Governo que é responsável por este processo e eu não gostaria de tecer mais considerações que pudessem perturbar o curso normal das negociações. DW África: Acredita que uma solução para esta situação será alcançada antes das eleições gerais previstas para 15 de outubro? OB: Tem de ser alcançada porque o ciclo eleitoral não deve ser perturbado. Umas das essências da democracia é a realização regular de eleições e este Governo não está interessado em prolongar o seu mandato e nem está interessado em encontrar outras soluções que não sejam um novo Governo eleito pelos moçambicanos.
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Brasileiros divididos no mundial mais caro de sempre
O Brasil, que sempre se auto-intitulou o país do futebol, ...
O Brasil, que sempre se auto-intitulou o país do futebol, não é consensual em relação à copa de 2014, que agora arrancou em terras brasileiras. Segundo as estimativas, esta é a competição mais cara de sempre da FIFA. Grande parte da população brasileira está insatisfeita com a qualidade dos serviços públicos e com os altos gastos para a organização do mundial e, por isso, tem ofuscado a tradicional festa do povo, mergulhando o país em greves e protestos. O Brasil tem mais de 29.000 clubes de futebol, quase dois milhões de jogadores e cerca de 5.000 jogos oficiais por ano. Outros países podem certamente ostentar números igualmente expressivos, mas nenhum foi cinco vezes campeão do mundo. Futebol como desporto-rei Na história do futebol brasileiro surgem nomes sonantes como Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo, Romário, Garrincha, Pelé e, claro, a sensação atual dos torcedores. “Neymar, Neymar, Neymar, lógico... Eu sou fã do Neymar”, gritam várias crianças ao microfone da DW África. O futebol, que na maior parte do mundo se trata de apenas um desporto, é no Brasil uma paixão, o desporto-rei, que merece esforço e comemoração. “Em toda a Copa, faz-se a ‘vaquinha’, toda a gente arrecada dinheiro, compra tinta, faz a pintura, assiste o jogo na rua, faz apostas”, explica um adepto. Mas na copa de 2014, em pleno território nacional, o Brasil está menos colorido. A empolgação dos torcedores ouvidos pela reportagem está longe de ser um consenso entre os brasileiros. “Eu vou por uma fitinha verde, amarela e preta no meu carro, porque a copa no Brasil para mim é um disparate”, comenta uma brasileira. “Certamente, muitos brasileiros entendiam ou imaginavam que esta era uma festa mais democrática do que de facto é. E de democrática, pelo menos em termos de acesso económico e de acesso a estádios, ela não tem nada", considera o cientista político brasileiro Humberto Dantas, que acrescenta: "É um evento tão aristocrático quanto é o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, os melhores blocos do Carnaval da Baía, eventos como a Fórmula Um e coisas desta natureza”. Protestos saíram à rua Rotulado como um povo pacato, alegre e sem interesse político, o brasileiro elevou o tom, em meados de 2013, foi para a rua e pediu mais qualidade nos serviços públicos. “Foram milhares de pessoas, mais de cem mil pessoas nas ruas, uma manifestação gigantesca... Eu acho que foi mais uma demonstração clara de que esta é a vontade da população”, disse, na altura, um dos manifestantes. No dia 20 de junho de 2013, a onda de manifestações no Brasil atingiu o seu auge com mais de um milhão de brasileiros nas ruas. “Vamos questionar-nos se precisamos efetivamente de ter construído ou se precisávamos ter construído doze praças desportivas quando na imensa maioria dos casos a FIFA (Federação Internacional de Futebol) diz que nove já é um número alto. Então seguramente não precisávamos. E muito provavelmente não precisávamos de ter construído estádios em cidades em que o futebol nem é uma tradição, como por exemplo, Manaus ou Cuiabá”, crítica Humberto Dantas. Na construção e reforma das doze arenas, entregues em alguns casos dias antes do início da prova desportiva, o Brasil gastou mais de três mil milhões e meio de dólares, 48% a mais do que o estimado no início das obras. Apesar dos custos, autoridades como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, garantem que o legado da copa do mundo é para manter. “Tenho a segurança em dizer que a zona leste de São Paulo não será a mesma depois dos investimentos que estão a ser feitos. Absoluta segurança disso. Porque, para nós, a copa começa e termina agora, entre junho e julho de 2014. Para a zona leste, a Copa não termina. Depois da copa, vão acontecer os investimentos já previstos em equipamentos sociais. Centro cultural, escolas técnicas, museus”, assegura. Promessas por cumprir Apesar do discurso das autoridades brasileiras, um estudo recente sinaliza que apenas 45% das obras de infraestrutura prometidas pelo poder público ficaram prontas para o Campeonato Mundial de Futebol. Das 30 intervenções previstas nos aeroportos, por exemplo, apenas 18 foram concluídas. O símbolo das promessas não cumpridas é o comboio rápido, que ligaria duas das principais cidades brasileiras. Em 2010, o projeto foi garantido pela então ministra e hoje Presidente Dilma Rousseff. “Um país deste porte, que será sem sombra de dúvida umas das economias mais desenvolvidas, não pode ter um comboio de alta velocidade? Como que não pode, se países menores e mais pobres que nós já têm este comboio. Podemos sim. Podemos e faremos”, prometeu na altura. O comboio de alta velocidade acabou por não chegar e está longe de sair do papel. Esta semana, a greve de cinco dias dos operadores do metro de São Paulo, cidade que recebeu a abertura do mundial, retrata o clima do país. Subida de preços A insatisfação com os gastos na organização do evento, as greves, as manifestações e ainda a ameaça da subida nos preços fazem parte do quotidiano do cidadão brasileiro. Quem quiser viajar durante o período do mundial, mês tradicional de férias, terá de arcar com a já chamada inflação da copa. A funcionária de um hotel de quatro estrelas, no centro de São Paulo, mostra-nos a exorbitância. “Custa 300 reais um quarto solteiro e 400 o duplo, isso no período de 5 de junho até 18 de julho, antes disso, o valor era 190 reais”, indica. “Isso é por causa da Copa”, justifica. A copa do mundo também influencia o preço da alimentação fora de casa. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IOIF), o crescimento do segmento da alimentação aumentou de 0,57 por cento em abril para 0,91 em maio. “O comércio é livre, mas também corre o risco de não ter clientes. E outra coisa, o restaurante para ter credibilidade não pode estar a mexer no cardápio a toda a hora, por respeito ao cliente”, diz Joaquim Saraiva de Almeida, da Associação de Bares e Restaurantes. No principal centro económico brasileiro, São Paulo, comer fora de casa ficou quase 10 por cento mais caro no ano do mundial de futebol. Mais um fator que reforça a resistência de 42% dos brasileiros que se dizem contra o mundial.
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A bordo do avião que leva ajuda a crianças angolanas doentes
É assim há duas décadas: a ONG Friedensdorf International vai ...
É assim há duas décadas: a ONG Friedensdorf International vai a Luanda recolher crianças doentes para tratamento médico na Alemanha e leva de volta outras já recuperadas. A DW África acompanhou a viagem. Depois de um ano na Alemanha e de várias operações à perna, Angelina, de 12 anos, está ansiosa por aterrar em Luanda. "Estou muito contente porque vou ver de novo os meus irmãos, a minha mãe, toda a minha família. Mas também estou um pouco triste porque vou deixar os amigos e as trabalhadoras queridas", conta Angelina na festa de despedida organizada pela Friedensdorf International na cidade de Oberhausen, no centro-leste da Alemanha. Desde a sua criação, há 47 anos, a organização não-governamental já ajudou crianças doentes de mais de 50 países, incluindo mais de 3 mil crianças angolanas. Cinco dias depois da festa de despedida, chega a hora da partida. É a viagem número 54 da "Aldeia da Paz" a Angola. Regresso a casa No Aeroporto de Düsseldorf, à espera de Angelina e das outras 51 crianças já recuperadas está um avião fretado pela Friedensdorf. A bordo segue também uma equipa de cinco membros da ONG, incluindo um médico. No avião acomodam-se ainda caixotes com material médico e a bagagem das crianças. Cada uma recebe um saco de desporto, onde, além de roupa e medicamentos, cabem pequenos presentes que elas mesmas fizeram para a família e lembranças da estadia na Alemanha – brinquedos em madeira ou saquinhos de pano feitos à mão, por exemplo. Para casa levam também uma experiência única, diz Hannah Lohmann, porta-voz da Friedensdorf. "Neste momento, temos connosco crianças de nove países. São cristãos e muçulmanos, brancos e negros, africanos e asiáticos. Em comum têm o facto de todos terem vindo para a Alemanha para se curarem e isso cria uma ligação entre eles, que ultrapassa fronteiras e idiomas", afirma. Já é noite quando o avião levanta voo. A equipa da ONG sabe o que tem de fazer. Durante a longa viagem organizam-se turnos para idas à casa de banho, mudar fraldas, distribuir cobertores ou verificar se todas as crianças têm os cintos de segurança apertados. Luanda à vista A viagem decorre sem problemas. E depois de quase dez horas de voo, é hora de dizer: Luanda à vista. À espera no Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro estão dois membros da ONG alemã, que viajaram mais cedo para o país para tratar das formalidades da nova leva de doentes, e uma equipa da Kimbo Liombembwa, versão kimbundu da "Aldeia da Paz". Criada há 13 anos, a organização parceira angolana tem equipas de voluntários por todo o país para identificar crianças com doenças que não podem ser tratadas localmente. As crianças que regressaram da Alemanha seguem depois para a sede da ONG, um pequeno espaço situado no Hospital Pediátrico Dr. David Bernardino. É aqui que são oficialmente entregues aos pais. Durante toda a tarde, Maria Tinnefeld, assistente social da Friedensdorf, resume-lhes os tratamentos médicos realizados aos filhos e deixa-lhes também algumas recomendações. Muitas vezes é preciso continuar os exercícios de fisioterapia em casa ou trocar os sapatos ortopédicos quando estes deixarem de servir. As explicações são traduzidas por Rosalino Neto, médico angolano que dirige a Kimbo Liombembwa. Sacrifício vale a pena Manuel Justino António, de 12 anos, foi vítima de um atropelamento em 2012. Sofreu fraturas graves nas duas pernas, além de uma hemorragia cerebral. Ficou dois anos na Alemanha, a recuperar de uma grave inflamação na anca e na perna direita. A mãe de Manuel diz que foi difícil separar-se do filho mais velho, mas os resultados compensam: "Quando o vi aqui fiquei muito emocionada! E ele logo que me viu também gritou: 'minha mãe!' Então abracei-o e agradeci muito", conta. "Eu tinha mesmo fé de que ele viria melhor, porque via as crianças que voltavam melhores [da Alemanha]. Mas não contava que ele pudesse estar aqui comigo de pé, porque ele só andava em cadeira de rodas", acrescenta a mãe de Manuel. Para o jantar, ela promete cozinhar muamba, prato típico angolano de que o filho tem saudades depois de dois anos de estadia em solo germânico. 20 anos de ajuda A capital angolana é há 20 anos um dos destinos da Friedensdorf. Foi em 1994, durante a guerra civil que durou 27 anos, que as primeiras crianças foram levadas para a Alemanha. O conflito terminou há 12 anos, mas a colaboração continua. Se antes se tratavam ferimentos causados pela guerra, hoje as doenças são causadas pela pobreza. Excetuando a "excelente parceria" com a organização local e as melhorias na logística e no aeroporto, não há motivos para festejar este vigésimo aniversário, afirma o diretor da ONG alemã, Thomas Jacobs. "No fundo, nem devíamos trabalhar num país como Angola, que tem infinitas riquezas como o petróleo e diamantes, onde há tanto dinheiro", lembra. "Se sobrasse um bocadinho de dinheiro que fosse para a população pobre e para os cuidados médicos para as crianças, a situação seria muito melhor", critica o diretor da Friedensdorf, embora confesse ter esperança que Angola comece a investir mais nos cuidados de saúde básicos nos próximos anos. Thomas Jacobs sublinha que a Friedensdorf também procura ajudar a melhorar a infraestrutura médica no país, para que as crianças só tenham de viajar para a Alemanha em situações excecionais e possam estar perto da família. A ONG, que se financia através de donativos e precisa de pelo menos 5 milhões de euros anuais para sobreviver, prefere manter-se longe de Governos e administrações e trabalhar com outras organizações no terreno. Petrodólares não financiam saúde Sempre que chega à "cidade mais cara do mundo", a equipa da Friedensdorf depara-se com novos edifícios. As obras não param, mas o crescimento económico e os petrodólares de Angola não se refletem na saúde do país. A mortalidade infantil é uma das mais altas do mundo e metade da população angolana vive abaixo do limiar da pobreza. O Orçamento Geral do Estado para 2014 atribuiu à saúde apenas 4,3% do seu valor global – uma fatia menor do que a atribuída no ano passado (5,29%). A parceria com a Friedensdorf vai, certamente, continuar por muitos mais anos, admite o médico angolano Rosalino Neto. "Os quadros da saúde não se formam de um dia para o outro. O Ministério da Saúde tem feito tudo e, até ver, ainda não temos quadros suficientes. Por isso pedimos a ajuda de outros países", afirma. Novos pacientes No dia seguinte, depois de recolhidos os passaportes e resolvidos os últimos pormenores burocráticos, os novos pacientes chegam à Kimbo Liombembwa: 71 crianças vindas de 12 das 18 províncias de Angola. A viagem até Luanda chega a durar três dias. Os problemas de saúde das crianças são de vários tipos: infeções ósseas, malformações congénitas, queimaduras graves, luxações, fraturas expostas, subnutrição… Algumas sofreram acidentes e não foram devidamente tratadas na altura. E os pequenos corpos escondem também outros problemas graves que não são visíveis. Diagnósticos precisos sobre o estado de saúde das crianças angolanas são um problema, explica Kevin Dahlbruch. O diretor-adjunto da Friedensdorf viaja para Angola duas vezes por ano e conhece bem a situação no país. "Há muitos exames que não podem ser feitos. Praticamente não se fazem radiografias às crianças que se encontram nos hospitais das províncias (fora de Luanda)", diz. "Por isso, frequentemente temos apenas informações rudimentares", acrescenta Kevin Dahlbruch. Conta ainda que há casos de lesões diagnosticadas há, pelo menos, um ano e meio, mas como a família não tem meios, não há relatórios médicos atuais sobre o seu estado de saúde. Alemanha, a última esperança A viabilidade do tratamento e as condições clínicas das crianças são avaliadas pela Friedensdorf e pela parceira local. A Alemanha é a última esperança para muitas crianças angolanas. Porém, na hora de escolher os pacientes, do ponto de vista médico há dois factores importantes a ter em conta, explica o médico alemão Tobias Bexten, voluntário na Friedensdorf há 15 anos. "Um deles é: será que as crianças vão chegar vivas à Alemanha? Conseguirão sobreviver ao voo? A outra questão que se coloca é se estamos perante doenças que faz sentido tratar", explica. Ana, uma menina de 9 anos de Luanda, é um dos casos que inspira cuidados. Não consegue andar. Está subnutrida, tem várias feridas abertas por todo o corpo e o osso do ombro direito está à vista. Mas acredita-se que Ana conseguirá sobreviver à viagem. A equipa da Friedensdorf trouxe da Alemanha uma maca especial almofadada para a ajudar a suportar as dores durante o voo. Entre os novos doentes há também um bebé com cancro oral, que lhe devora o rosto, além de várias crianças com malformações congénitas. É difícil ver o estado em que muitas crianças angolanas se encontram, até para médicos mais experientes como Tobias Bexten. "É difícil ver os ferimentos mais graves de crianças, que não têm nenhuma responsabilidade pelas inflamações que têm e que não podem ser tratadas no país", diz. Comunicação não é problema Já no aeroporto, fazem-se os últimos curativos antes da partida. Cada criança recebe uma pulseira de identificação com o seu nome e data de nascimento. Durante a viagem, redobram-se os cuidados. Há alguns bebés a bordo e nem todas as crianças conseguem andar sem apoio. Algumas viajam deitadas. O seu sofrimento é bem visível. O médico Tobias Bexten tenta aliviar-lhes a dor durante a viagem. A maior parte das crianças não sabe falar alemão. Ainda assim, a comunicação não é um problema, assegura Hanna Lohmann. "Sabemos algumas palavras em português, como 'tá fixe'. E quando as crianças querem ir à casa de banho, xixi todos entendem! Além disso, as crianças aprenderam uma língua de sinais com os pais", explica a porta-voz da Friedensdorf. A bordo estão também algumas crianças que viajam para Alemanha pela segunda vez – para continuar o tratamento ou porque surgiu um problema novo – e que servem de tradutoras. "Em duas semanas, as crianças conseguem falar muito melhor alemão do que eu português", conclui Lohmann. Próxima missão em novembro Os novos pacientes chegam à Alemanha de madrugada. Uma comitiva de voluntários ajuda no transporte das crianças. Os casos mais graves são imediatamente encaminhados para os hospitais. As restantes crianças seguem para a Friedensdorf, em Oberhausen. O balanço da viagem é positivo: todos os meninos sobreviveram ao voo. Mas, menos de duas semanas após a chegada, a ONG tem de lidar com uma dura perda: a morte de duas crianças do novo grupo. Não obstante, o ciclo da ajuda não pode parar. A próxima viagem a Angola está marcada para novembro.
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Ruandeses percorrem longo caminho para superar o genocídio
Desde o início deste ano, jovens ruandeses levam pelo país ...
Desde o início deste ano, jovens ruandeses levam pelo país a chama da lembrança em memória das vítimas do genocídio de 1994. Um memorial mantém informações sobre as vítimas e projetos de ONGs tentam reconciliar vizinhos. Neste ano, completam-se 20 anos da matança que, segundo as Nações Unidas, teria vitimado 800 mil pessoas do grupo étnico Tutsi em três meses. Hutus moderados também foram assassinados. Em uma colina na região de Kigali fica o memorial de Gisozi. Desde a inauguração em 2004, o monumento é passagem obrigatória para todos os que visitam Ruanda, sejam turistas ou chefes de Estado. É o local do descanso eterno para 259 mil vítimas do genocídio. Fotos expostas, peças de roupas e pertences pessoais lembram os que entre abril e julho de 1994 perderam as suas vidas na onda de violência que arrasou o país. Na chamada "Sala das Crianças“, fotos estão penduradas em formato grande. Logo a baixo está o retrato de Francine. Um belo sorriso dá brilho especial ao rosto da moça. É a lembrança do cotidiano tranqüilo de uma criança. Yvette Jallade, da Fundação Aegis Trust, dirige o memorial e o arquivo do genocídio e apresenta Francine. “Tinha 12 anos na época. Ela gostava de nadar e adorava ovos e batatas fritas. Gostava de tomar leite e Fanta. Sua melhor amiga foi a sua irmão Claudete. Ela foi morta a golpes de catana“, diz Jallde. Os massacres levaram cerca de três meses. Vários corpos ficaram nas ruas a céu aberto. O governo planejou o extermínio da minoria tutsi e doou recursos para acabar com aqueles que eram chamados de “baratas”. A matança aconteceu diante de uma comunidade internacional paralisada até o dia 4 de Julho. As Nações Unidas calculam que aproximadamente 800 mil pessoas foram mortas. Conforme Yvette Jallade, o memorial de Gisozi quer homenagear cada uma das vítimas. “Para se conseguir ter uma idéia do que aconteceu, é preciso passar um tempo com um sobrevivente. Aí, ele vai te perguntar como é uma pessoa faminta e com medo se esconder durante 100 dias. Como é redescobrir a sua casa queimada e saqueada e a sua família exterminada. Um genocídio de um povo é tudo isto. E isto aconteceu para quase um milhão de pessoas”, explica. O que restou D’Artagnan Habintwali é um sobrevivente. Ele tinha somente cinco anos, quando os assassinatos aconteceram na sua cidade natal, Butare – no Sul do país. "Eu vi as pessoas tendo suas casas queimadas e depois sendo mortas. É muito difícil esquecer esta imagem. E impossível tentar fazer isso para viver em paz. As imagens estão sempre lá”, lembra. Os ruandeses percorreram durante a última década um longo caminho até a reconciliação. Uma das medidas mais recentes foi retirar a exigência de informar o grupo étnico ao qual o cidadão pertence nos documentos de identificação. Desde então, ao invés de existir tutsis, hutus ou twas (o terceiro grupo étnico do Ruanda), todos são ruandeses. A reintrodução dos trabalhos comunitários regulares, os chamados “Umuganda”, também deve colaborar para intensificar o sentimento de comunidade. O tratamento legal de genocídio, no entanto, foi um processo bastante complicado. Em 1994, um tribunal penal internacional especial com sede em Arusha, na Tanzânia, foi criado somente para apurar as responsabilidades pelo genocídio. O trabalho de apuração criminal é demorado. Muitos criminosos fugiram para o exterior e as provas são difíceis de serem encontradas. O representante do escritório de informações do tribunal especial, Innocent Kamanzi, está satisfeito com os resultados. "A maioria dos ministros envolvidos na organização do genocídio foram presos e levados à justiça. Da mesma forma, um número maior de oficiais e soldados, milicianos, clérigos e representantes da mídia que influenciaram fortemente a implementação do genocídio", explica. O Tribunal proferiu em 2013 suas últimas sentenças em primeira instância e provavelmente estará envolvido na apreciação de recursos até meados de 2015. De um total de 65 pessoas, 38 réus foram levados à júri e condenados a longas penas de prisão. No entanto, o tribunal acabou sendo bastante criticado por Kigali. Observadores ruandeses avaliam que o tribunal foi muito caro e pouco eficiente. Solução caseira O governo do presidente Paul Kagame reinstaurou os tribunais tradicionais, os chamados Gacaca. Foi uma decisão de emergência, uma vez que centenas de milhares de pessoas participaram de abril a julho de 1994 de assassinatos, atos de violência e saques. Prisões ficaram superlotadas. Acumulam-se listas de espera para processos infinitos em tribunais nacionais. Jean Damascène Gasanabo é um alto funcionário da Comissão Nacional de Luta contra o Genocídio (CNLG) para ele tais tribunais serviram para a reconciliação também. "Os Gacacas serviram para dar tempo e espaço para as pessoas conversarem. Não se pode pedir para os vizinhos simplesmente se reconciliarem, mas tivemos que iniciar este processo." Nos Gacacas não havia a presença de advogados nem de juízes. Os 12 mil tribunais populares foram mediados pelos chamados membros responsáveis da comunidade. Organizações internacionais de direitos humanos criticaram muitos erros durante estes julgamentos. Entre 2005 e 2012, quase 2 milhões de pessoas foram ouvidas em todo o país e mais de metade foram condenados à prisão ou a serviços comunitários. Em Simbi, uma aldeia perto da cidade de Butare, a justiça condenou responsáveis diretos e colaboradores do genocídio. Um dos colaboradores condenados foi Jean-Pierre Karenzi, que se arrepende do que fez. “Eu participei do genocídio porque o governo daquela época nos instigou a fazê-lo", lamenta. Jean-Pierre Karenzi foi condenado a 10 anos de prisão. Quando foi solto, em 2005, foi considerado como um “arrependido” por uma ONG que trabalha com a reconciliação nas comunidades - "Association Modeste et Innocent" (AMI, sigla que significa "amigo" em francês). Mais de 5 mil pessoas foram vítimas do genocídio em Simbi. O sobrevivente Jean-Baptiste Kanobayire foi um dos primeiros que parciparam das formações da AMI. "Eu já tinha sofrido demais. Aos poucos, eu decidi continuar a levar a vida. O que passou pertence ao passado. E se a vida continua, eu tenho que ser capaz de viver com todas as outras pessoas, como irmãos. Foi por isso que os participantes do massacre receberam esta instrução, para trabalharmos juntos pelo progresso e pela unidade da comunidade.“ Compensações Há alguns anos, os membros da comunidade se organizaram em uma cooperativa agrícola - a "Duharanire Ubumwe N'Ubwiyunge" ("trabalho para a unidade e reconciliação" em português). Pessoas que perpetraram o massacre, como Jean-Pierre Karenzi, trabalham nos campos, 20 anos depois, para pagar as famílias prejudicadas – pessoas que tiveram casas e bens destruídos. Juntos, os cooperados querem expandir a produção agrícola e desenvolver economicamente a comunidade. Em comparação com o Norte do país, o sul tem solos menos férteis. Mandioca, café, milho e bananas são produzidos em quantidades modestas. A cooperativa também vai criar gado. O presidente da organização, Dominique Ndahimana, diz que as condições de vida começaram a melhorar. “Os sobreviventes dão dinheiro para que se comprem vacas para as pessoas que foram libertadas da prisão. Cada um de nós dá 5 mil francos, o equivalente a 5 euros. Por mês, chegamos a arrecadar o equivalente a 160 euros para comprar uma vaca. Nós já temos 27 vacas." O governo ruandês apostou também há alguns anos no desenvolvimento econômico para reconciliar o país. Foram aplicados programas para reduzir a pobreza, oferecer seguro de saúde para todos e ampliar o acesso à educação. Paralelamente também foram incentivados empreendimentos privados que já renderam bons sinais conforme relatórios do Banco Mundial. O sucesso é bastante celebrado pelos parceiros internacionais como a Alemanha. A diretora do Banco de Fomento alemão KFW, Daniela Beckmann, considera que o Ruanda conseguiu progressos significativos na redução da pobreza. De acordo com novos dados, houve redução na quota de pobres em 12 pontos percentuais. “Em cinco anos, caiu a 45 por cento. Isto é muito bom quando comparamos com outros países africanos. Isso não quer dizer que não existam ainda grandes desafios", salienta Para o Ruanda, um destes desafios é reduzir a dependência da ajuda internacional. Quase a metade do orçamento do país é proveniente desta ajuda – o que é bastante criticado pela oposição. Frank Habineza, presidente do Partido Verde Democrático de Ruanda, explica que o país tem a maior desigualdade de renda da região Leste da África. “Mais de 60 por cento dos ruandeses vivem com menos de 5 dólares por dia. Nós acreditamos que a justiça social é possível. Mas isso requer mais espaço político baseado na democracia. Assim, os investidores estrangeiros adquirem confiança e investem no país porque vêem que é um lugar seguro para as próximas gerações ", explica. Reconciliação e desenvolvimento Na próxima eleição presidencial de 2017, o Partido Verde quer apresentar um candidato a fim de oferecer ao público uma alternativa para Paul Kagame.Na liderança da Frente Patriótica Ruandesa (RPF), o ex-comandante rebelde Kagame governa em quase uma autocracia desde o fim do genocídio. Seu partido venceu as eleições parlamentares de setembro de 2013. Ganhou com cerca de três quartos dos votos. Para a população, Paul Kagame é um grande reformador. Com 1,2 milhões de habitantes, a capital Kigali é um símbolo do progresso de Ruanda. No centro, gigantescos prédios comerciais se alinham nas avenidas com cruzamentos e sinais de trânsito. Blocos com painéis eletrônicos dão o tom da modernização. Durante todo o dia, funcionários da prefeitura garantem a limpeza das ruas próximas a residência presidencial. Um centro de convenções internacional está sendo construído junto a um complexo hoteleiro em uma enorme área. Nos últimos 20 anos, a imagem da cidade mudou completamente conforme o prefeito Fidele Ndayisiba. “Em 1994, [a cidade] era uma ruína. A maioria das casas foi abandonada e destruída. As infra-estruturas estavam em péssimo estado. Estavam em uma condição muito ruim. Vinte anos depois, nós restabelecemos a infra-estrutura básica. O setor privado reconstruiu os seus prédios. Iremos seguir esta tendência. Kigali será uma moderna e próspera cidade em 10 anos", projeta. Mesmo que as pessoas ainda estejam fora do centro moderno da cidade e as chuvas ainda danifiquem as ruas com buracos, os ruandeses parecem pacientes e otimistas. D'Artagnan Habintwali, o menino traumatizado de Butare, tem agora 25 anos de idade. Está quase a completar os seus estudos e quer ser um escritor. "Se recordarmos os anos 1995 ou 1996, teremos a ideia de que hoje nós vivemos em um país completamente diferente. Apesar disso, é preciso melhorar em muitos aspectos. No entanto, ainda vai chegar o tempo em que tudo vai ficar bem", espera o sobrevivente.
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Perdidos (e achados) no Parlamento Europeu
Em vésperas de eleições europeias, que decorrem até 25 de ...
Em vésperas de eleições europeias, que decorrem até 25 de maio, centenas de jovens rumaram a Estrasburgo para debater o futuro da Europa. Em discussão: o crescente ceticismo e "apatia" crónica do eleitorado europeu. Perdemo-nos no Parlamento Europeu, em Estrasburgo. Na torre de 60 metros do Parlamento e nos edifícios anexos, os corredores com escritórios de um lado e de outro desembocam em mais corredores, sem nada em particular que os distinga. Tentamos regressar ao ponto de partida, mas perdemo-nos de novo porque, após descer um vão de escadas, não virámos numa porta que nem sequer nos demos conta que estava lá. Depois de subir um dos elevadores de vidro do edifício principal, encontramos finalmente a sala que procurávamos. Porém, estamos atrasados. Duas dezenas de jovens já estão a debater as oportunidades e desafios da União Europeia. Entre eles está a francesa Pauline Gessant, a presidente da associação Juventude Europeia Federalista, que organizou o debate. A jovem de 33 anos está preocupada com estas eleições europeias, porque "há cada vez menos pessoas a votar. Para quem, como eu, acredita na democracia, isso é um problema." A abstenção não para de aumentar desde a primeira votação. Em 1979, foram votar cerca de 62 por cento dos eleitores. Na última eleição, em 2009, a participação ficou-se pelos 43 por cento. "Estou também preocupada com os movimentos eurocéticos", diz Gessant. "Temo que a discussão se centre apenas nos aspetos negativos e se considere que a maioria das pessoas é contra a Europa." "Monstro burocrático" Estamos na sala LOW S 4.1. A sigla também contribuiu para nos perdermos. Seguramente, o nome da sala obedece a uma lógica – mas, acabados de chegar, não a entendemos de imediato. Lembramo-nos de uma passagem de um livro escrito pelo professor universitário inglês Edward C. Page há quase vinte anos. Page notava a certa altura que, na União, "as leis são conhecidas por números abstratos em vez de nomes simples – [por exemplo,] diretiva 78/319 sobre gestão de resíduos." É fácil associar a União Europeia a burocracia, concluía o professor. Ainda hoje é assim. Para quase um quarto dos europeus, a União significa muitos papéis e processos morosos, segundo um inquérito divulgado em maio pela Comissão Europeia. No debate organizado pela associação de Pauline Gessant, "monstro burocrático" foi uma das expressões usadas para descrever as instituições europeias. "Temos a sensação de que a União Europeia funciona de uma forma bastante complicada, mas isso também acontece porque [na escola] nunca aprendemos suficientemente sobre ela", afirma a jovem francesa. "A União também lida com aspetos bastante técnicos e, por vezes, os europeus vêem-na como algo muito distante do seu dia-a-dia." Instituições estão distantes Segundo o jovem catalão Joan Lanfranco Pari, da organização independente VoteWatch Europe, muitos europeus não acreditam que as eleições europeias trazem mudanças visíveis para as suas vidas. "Eles pensam: 'porque é que me vou preocupar se posso votar nas verdadeiras eleições, as eleições locais, regionais e nacionais?'" Na Alemanha, a União Democrata-Cristã (CDU) fez cartazes para as eleições europeias quase idênticos aos que usou nas legislativas de 2013. Os cartazes destacam Angela Merkel, a líder do partido, a sorrir. Porém, a chanceler alemã não se candidata ao Parlamento Europeu. Na VoteWatch Europe, Lanfranco Pari tem acompanhado as sondagens dos 28 Estados-membros sobre as eleições europeias. Este ano, uma coisa parece ser certa – haverá muitos votos de protesto. "Sobretudo no sul da Europa, os movimentos de protesto contra a austeridade têm estado a mobilizar muitos eleitores. No norte da Europa é diferente. Muitos dizem que não querem pagar ou querem pagar menos para financiar as dívidas dos países do sul", refere o jovem. Sondagens coletadas pela organização de Lanfranco Pari indicavam que os partidos de extrema-direita da francesa Marine Le Pen e do holandês Geert Wilders vencerão as eleições em França e na Holanda, respetivamente. Wilders prometeu combater a partir de dentro o "monstro de Bruxelas". Por outro lado, em Itália, o Movimento Cinco Estrelas, da esquerda populista, pede um referendo para decidir se a Itália continua ou não a usar o euro como moeda. O movimento, do humorista Beppe Grillo, poderá ficar em segundo lugar. Feitas as contas, o próximo Parlamento será bastante diferente daquele que os cidadãos da União Europeia estavam habituados até agora. "As sondagens mostram que a zona central do Parlamento encolherá cerca de 20 por cento. E encolherá favorecendo os extremos, tanto da direita como da esquerda", diz Joan Lanfranco Pari, da VoteWatch Europe. As mudanças poderão ter impactos visíveis na legislação europeia: "O acordo sobre a Parceria de Investimento e Comércio com os Estados Unidos (TTIP) poderá enfrentar tempos difíceis. Outra política que poderá ser ameaçada por este novo Parlamento é a liberdade de movimento na União: que poderá inclusive ser limitada." Pauline Gessant espera que estas eleições sirvam, pelo menos, como uma espécie de "abanão" para os políticos europeus. "Devia fazer com que eles se aproximem mais dos cidadãos", refere a presidente da Juventude Europeia Federalista. "Não queremos negociações à porta fechada em que, depois, os políticos vêm e dizem: 'olhem, temos um novo tratado'." Mais do que "sim" ou "não" à União Encontramo-nos num outro corredor do Parlamento Europeu com Johanna Nyman. Perdemo-nos mais uma vez, mas depressa encontrámos o caminho. Não chegámos atrasados. "Creio que se tomaram nos últimos anos más decisões a nível europeu. Mas isso não significa que eu queira acabar com a União Europeia", diz a jovem finlandesa. "Assusta-me o facto de muitos movimentos populistas estarem a sequestrar o debate e a enquadrar estas eleições apenas num 'sim' ou 'não' à União." Ao peito, a jovem de 24 anos traz um crachá onde está escrito, em inglês, "I'm a voter" – "É claro que vou votar. Não quero entregar a outra pessoa o poder do meu voto quando é o meu dia-a-dia que está em jogo", afirma. Nyman pede que a sua voz, e a dos cidadãos em geral, seja mais escutada nas instituições europeias – quer aqui em Estrasburgo, quer em Bruxelas. Os cidadãos deviam também ser mais informados sobre o que está por detrás das decisões tomadas no Parlamento Europeu, no Conselho Europeu e na Comissão Europeia. "Tem de haver alguma burocracia, porque se trata de um sistema democrático, em que há vários organismos e são tomadas muitas decisões. Mas é preciso tornar tudo isso mais acessível às pessoas", diz a jovem finlandesa. "Além disso, é preciso que elas participem no processo. A democracia não é saudável se a nossa voz só é ouvida de cinco em cinco anos, quando há eleições." O Parlamento Europeu garante que está a fazer uma grande aposta audiovisual na internet para informar sobre o que se passa nas sessões plenárias e comissões parlamentares. Juana Lahousse-Juárez, diretora-geral de comunicação, diz também que o Parlamento tem convidado os deputados a criar plataformas de debate com os cidadãos. Mas como se poderá mudar a imagem do Parlamento Europeu como "monstro burocrático"? Lahousse-Juárez salvaguarda que "é muito difícil mudar uma determinada imagem se as pessoas não forem recetivas à informação que lhes está a enviar." Desemprego Em meados de maio, ao publicar o inquérito "Europeus em 2014", a Comissão Europeia disse que o esforço que tem realizado para se aproximar dos cidadãos tem compensado. Mais de metade dos europeus está otimista quanto ao futuro da União, segundo a Comissão. Mas o desemprego continua a ser uma grande preocupação. No bloco de 28 países, há atualmente 26 milhões de pessoas sem emprego. Em Espanha ou na Grécia, mais de metade dos jovens está desempregada. "Eu quero uma Europa solidária, livre, pacífica. […] Mas, da forma como os países-membros da União estão a lidar com a crise, não sei se toda a gente sente a mais-valia de estar na União", diz a jovem francesa Pauline Gessant. Projeto inacabado "Perdidos" nos meandros da União Europeia, há quem se esqueça por vezes dos países que ainda estão fora e querem entrar, afirma Gessant. "Acontece o mesmo com o euro. Alguns países fora da zona euro gostariam de entrar, enquanto outros que já usam o euro como moeda gostariam de sair. É como acontece com as crianças: quando elas têm muitos brinquedos, queixam-se porque querem mais, mas esquecem-se de que já têm muitos". No entanto, segundo a jovem, "é preciso perceber que o sistema não é perfeito e que é preciso reformar a Europa, torná-la mais democrática e eficiente." Ao sair, olhamos mais uma vez para o edifício principal do Parlamento Europeu. Visto de fora, não parece tão labiríntico. Mas um dos lados da torre parece inacabado. O arquiteto desenhou-a assim de propósito, para transmitir a ideia de uma Europa permanentemente em construção.
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Pacientes de HIV-SIDA entreajudam-se no Lesoto
O Lesoto tem a terceira taxa de infeção de HIV ...
O Lesoto tem a terceira taxa de infeção de HIV mais alta do mundo. Mas o país africano adotou um esquema que permite aos pacientes assumirem um papel mais ativo na forma como lidam com a doença nas suas comunidades. Bem no alto das montanhas do Lesoto fica o Hospital de Mamahou. Este é um dos poucos centros de saúde modernos do país da África Austral. O hospital luta para conseguir lidar com alguns pacientes infetados com HIV, diz o médico Paul Manka. "Os pacientes estão deitados no chão”, queixa-se, “porque não há quartos suficientes nem há espaço para eles lá”. No Lesoto, há apenas 89 médicos para dois milhões de habitantes e isso é um verdadeiro problema, segundo o médico Constant Kaonga do hospital de Mamahou. "O número de enfermeiros e outro pessoal da área da saúde não é suficiente”. Um médico, acrescenta Kaonga, não tem capacidade para ver mais de 20 pacientes. Portanto, “se ele tiver de ver pelo menos 40, a qualidade do serviço prestado baixará definitivamente”. Pacientes peritos De forma a preencher as lacunas, o sistema de saúde integra agora não-profissionais, nomeadamente os chamados “pacientes peritos”. Eles mesmos estão infetados com HIV e ajudam os médicos a alcançar mais pacientes que, de outra forma, não receberiam tratamento. Depois de ter sido um sucesso no Haiti, a ideia de usar pacientes para informar e ajudar outros pacientes foi introduzida no Lesoto em 2005. Hoje há 600 “pacientes peritos”, cada um ganha entre cerca de 40 e 60 euros por mês. Mamokoena Malaka, uma mulher cheia de energia, foi uma das primeiras a tornar-se “paciente perita” no seu país. "Eu peço autorização para falar com os pacientes sobre HIV enquanto estão na sala de espera”, conta, “e então encorajo-os a abrir-se com o médico, a contar-lhe tudo o que aconteceu para que ele saiba o seu estado”. Quanto mais fala sobre HIV, diz Mamokoena, melhor se sente. A paciente recebeu o diagnóstico positivo há quase dez anos, depois de o seu marido ficar doente. Agora, viúva, teve de aprender a viver com o vírus e sabe o quão importante é tomar o tratamento antiretroviral para sobreviver. Ela diz que os pacientes a ouvem: "o médico ou o enfermeiro não vão saber a verdade sobre o que se está a passar, porque o paciente vai dizer que toma sempre os medicamentos. Mas a mim eles contam a verdade, dizem quando estão cansados de tomar os comprimidos e até que os deitam fora”. Elementos de ligação entre pacientes e pessoal médico Lillian Nalwoga, uma médica ugandesa na Baylor Clinic da capital do Lesoto, Maseru, trabalha regularmente com “pacientes peritos”. Na maioria das vezes em que trabalha em centros de saúde, “o paciente perito já pesou e mediu os outros pacientes, já contou os comprimidos e documentou o cumprimento da medicação” antes de a médica chegar. “A presença deles simplifica muito o meu trabalho”. Os “pacientes peritos” são importantes nos centros urbanos, mas também, e muito mais, nas montanhas remotas do Lesoto. Para muitos que vivem nas aldeias nos topos das montanhas, o hospital mais próximo fica a um dia inteiro de caminhada. O seu trabalho como “paciente perito” melhorou o seu prestígio na comunidade, afirma Malilamo Mafwa, que já ajudou a impedir que o HIV proliferasse na aldeia de onde vem. “Eu consegui trazer muitas pessoas para a clínica”, diz com orgulho. “Isso significa que sou aceite pela comunidade. Sou visto como alguém que salva vidas”. Para os pacientes trata-se, de facto, de uma questão crucial para a vida, diz a “paciente perita” Elizabeth Mabothile. "Quando ajudamos as pessoas da comunidade, elas não morrem. Não há órfãos”. Fundos em risco de terminar No Lesoto, ainda há pessoas que morrem de doenças relacionadas com o HIV. Contudo, através do programa dos “pacientes peritos”, agora há mais pessoas em tratamento antiretroviral e, como dizem os médicos, têm uma vida mais longa. Contudo, o esquema está agora em risco de terminar: cerca de metade dos “pacientes peritos” do Lesoto é financiada pela organização internacional Fundo Global de luta contra a SIDA, Tuberculose e Malária e o apoio ao programa está a escassear. Em 2015, os fundos destinados aos “pacientes peritos” serão reduzidos em dois terços. Tanto eles como os médicos temem que este possa ser um golpe sério para a assistência a pessoas infetadas com HIV no Lesoto.
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Desmatamento ilegal na Guiné-Bissau é milionário
Enquanto a atenção nacional e internacional estava voltada para o ...
Enquanto a atenção nacional e internacional estava voltada para o primeiro turno das eleições presidenciais na Guiné-Bissau, toneladas de troncos de árvore saíam do país. A DW África flagrou o fenômeno que cresceu em proporção após o golpe militar de abril de 2012. O desmatamento é considerado criminoso pelas comunidades das tabancas e ninguém fala sobre o assunto para a imprensa com medo de ser morto ou torturado por quem está por trás do esquema. Em meados de abril, na última semana de campanha, dezenas de caminhões com contentores faziam fila na Avenida Amílcar Cabral e se acumulavam nas ruas adjacentes. Trata-se de uma das principais vias da cidade, entre o Palácio do Governo e o porto. Conforme ambientalistas e autoridades florestais guineenses, todos os contentores carregavam troncos de madeira para serem exportados principalmente para a China. O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís Olundo Mendes, garante que a madeira sai legalmente do porto. “Nós trabalhamos com a Guarda Nacional. Eles fiscalizam e nós certificamos a madeira. Temos hoje 13 serrações com licença para desmatar de forma controlada”, explica Mendes. A controvérsia A reportagem apurou que, em 2010, saíram 15 contentores de madeira do porto de Bissau. O número foi crescendo ao longo dos anos, até chegar, em 2013, a 409 – um aumento de quase 30 vezes em três anos. O principal alvo deste negócio milionário é o Pau de Sangue - uma árvore de grande porte, que pode chegar a 30 metros de altura. Conforme informações levantadas por ativistas junto à alfândega chinesa, cada contentor com troncos desta árvore vale o equivalente a 17,7 mil euros. Um morador de Kebu, no Sul do país, a 230 quilômetros de Bissau, afirma que muitos grupos de extratores surgem nas tabancas com alegadas licenças de corte. “As pessoas aparecem com papéis e motosserras”, diz o homem que não quer ser identificado. Como os responsáveis pelo desmatamento apresentam documentos, os moradores não reagem. “Eles levam os contentores [com madeira] para Bissau e não podemos dizer nada.” Os extratores vão diretamente aos chefes das tabancas. Nestas ocasiões, os delegados florestais das regiões - que por exigência legal, deveriam acompanhar a derrubada das árvores - não aparecem. Falta de chuva No Norte do país, a devastação se repete. A 70 quilômetros de Bissau, na região de Oio, os agricultores protestam. “Nós consideramos lamentável a forma como está sendo realizado o corte das árvores nas florestas”. Segundo o agricultor, até 40 contentores por dia são carregados. Conforme os moradores, quando chegam na tabanca, os grupos de extratores oferecem dinheiro à população. “Se houver resistência, as pessoas são agredidas. Dão o equivalente a 75 euros para a comunidade. Cortam apenas árvores grandes, principalmente o Pau de Sangue”, explica. Os moradores revelam o boato de que o desmatamento vai acabar depois das eleições. “Se encontrássemos pessoas que nos ajudassem, seria bom porque nosso futuro está em causa. Algumas árvores que estão sendo levadas servem para a medicina tradicional. Se todas forem levadas para a China, qual será o futuro dos nossos filhos?", pergunta outro agricultor. Ao contrário de outras regiões, onde são identificados extratores de Conacry e da Gâmbia, no Leste do país, em Cossé, a 150 quilômetros de Bissau, moradores falam em mão de obra guineense. “Eles dizem que já falaram com a Guarda Nacional e chegam com documentos, mas nós resistimos. Se autoridades de alto nível vierem aqui, aí vamos respeitar”, explica o chefe de uma tabanca de Cossé. Os agricultores acreditam que a consequência do corte das árvores é a falta de chuva. “Nós somos agricultores e agricultor sem chuva não pode produzir. Mas nós vamos resistir”, diz. Protestos silenciados Duas semanas depois, a reportagem da DW África esteve no Leste. Apesar da resistência anunciada pela comunidade, o corte já havia começado. Um morador da zona urbana de Bafatá mostrou uma área onde havia restos de tronco que foram carregados para contentores há alguns dias. Ele confirma que população está sendo ameaçada para não falar sobre o assunto. “Antes houve alguns protestos, mas agora as pessoas estão sendo ameaçadas. Ninguém mais fala nada nem se opõe”, diz. Ao longo da rodovia que liga Bafatá a Bissau, podem ser percebidos os vestígios da pressa para a extração e exportação dos troncos ainda antes das eleições. Até contentores estão caídos à beira da rodovia. Em outro ponto da estrada, um caminhão está parado no meio do asfalto. O motor fundiu e a cabine incendiou quando retornava do porto para buscar mais madeira no interior do país. No centro de Bissau, os caminhões fazem fila para deixar contentores no navio. Os troncos das árvores não ficam à mostra, mas o cheiro do produto pode ser sentido ao longo da Avenida Amílcar Cabral. Prazo para a venda Um ex-funcionário de um serviço de investigação do Estado conta que o ritmo intenso da extração de troncos antes das eleições tem uma explicação. “O Estado atual da Guiné-Bissau não é legal. A intensificação do corte se deve ao enriquecimento rápido que eles querem alcançar enquanto estão no governo. Este corte abusivo de madeira começou com os militares. Todos os troncos são enviados para a China”, diz o ex-agente. O diretor-geral do Serviço de Floresta e Fauna, Luís Olundo Mendes, muitas comunidades escondem as pessoas que derrubam as árvores. “Os próprios cidadãos guineenses são culpados pelo desmatamento ilegal. Apreendemos no ano passado 100 contentores ilegais”, diz. Licenças alugadas Hoje em dia, quem quer cortar madeira na Guiné-Bissau pode alugar uma licença. Um cidadão com conexões com o governo revelou à reportagem que não conseguiu pagar pelo empréstimo de uma licença. Ele disse que é necessário pagar uma quantia para o dono da licença e também pagar os cortadores no mato para participar do negócio. “Mas eu comecei a hesitar entrar no negócio porque surgiu um alerta que, seja o corte legal ou ilegal, mais cedo ou mais tarde, a justiça vai pegar os envolvidos. Além disso, já é tarde. Pode ser que o próximo governo pare com isto.” A mesma fonte da reportagem diz que a venda de dois contentores garante o sustento de uma família na Guiné-Bissau por alguns meses. “Muitos que entraram no negócio irregular estão ricos”, diz. Para ele o corte ilegal está tão elevado devido ao momento que o país vive. “Não há controle, não há Estado. Cada um faz o possível para sobreviver. Só quem tem serração pode conseguir esta licença. Mas agora todo mundo está no mato”, salienta. Ele diz que quem não tem licença, às vezes, pode ter cobertura até de “um alto dirigente” para fazer a extração dos troncos. “Se consegue ter um parceiro que tenha uma licença de corte, é só você procurar a sua zona onde tenha pó de sangue, a madeira mais procurada. Ele te dá a cobertura e depois você pode cortar. Até três contentores já é um bom negócio, os chineses vem e compram”, explica. Conforme pessoas que tentaram, mas não conseguiram entrar no esquema, os cortadores ganham até três euros por tronco. “Dois contentores cheios de troncos vale o equivalente a 11,4 mil euros. Se for levado até o porto vale quase o dobro. Se conseguir exportar é muito mais dinheiro”, explica a fonte. Os apelos O embaixador da China na Guiné-Bissau, Yan Banghua, disse que a China não vai fazer negócios ilegais com o país africano. “Temos que respeitar todas as leis e regras vigentes neste país. Sempre mantemos boa cooperação com o governo, com as autoridades e com este povo para trabalharmos juntos.” A mídia guineense se calou por medo de represália. Alguns cidadãos, no entanto, coletaram informações e lançaram no fim de março um panfleto anônimo sobre o desmatamento ilegal de troncos. Conforme o documento, o negócio gerou em 2013 mais de 7,2 milhões euros – um montante que poderia pagar parte dos quatro meses de salários atrasados dos servidores públicos. O representante do secretário-geral da ONU, José Ramos-Horta, visitou um local onde as madeiras estão sendo cortadas. Ele acredita que a comunidade internacional vãi se levantar contra a questão. “Em particular, organizações não-governamentais especializadas na área de proteção do meio ambiente, com as quais eu já estou em contato. Vamos fazer uma campanha internacional para denunciar esta barbaridade que está a acontecer contra a natureza na Guiné-Bissau.”